Com a adoção do trabalho híbrido por muitas empresas durante a pandemia, trabalhar apenas quatro dias por semana se tornou uma possibilidade para alguns trabalhadores em países que começam a testar a ideia de reduzir horas de serviço para ganhar produtividade, por mais contraditório que isso possa parecer. Entre eles estão Reino Unido, Japão, Bélgica, Nova Zelândia e Portugal.
Na Islândia, dois testes em empresas mostraram que a redução da carga horária não resultaram em qualquer perda de produtividade ou queda na performance da empresa. Por outro lado, os funcionários relataram queda nos níveis de estresse.
Empresas brasileiras começam a inserir o Brasil nessa lista. A principal mudança proposta por elas é dar aos funcionários um dia a mais de folga por semana, além do sábado e do domingo, sem redução proporcional nos salários.
Pode até parecer que a rotina nos quatro dias úteis vai se tornar mais intensa, com o desafio de manter o mesmo número de tarefas, reuniões e afazeres em um menor período de tempo. Mas não é isso que geralmente acontece na prática, segundo representantes de empresas brasileiras ouvidos pelo GLOBO.
Desde 2020, as quartas-feiras foram eliminadas do calendário profissional de quase toda a equipe da empresa de produtos para cachorro Zee.Dog. Somente as áreas de varejo e logística, que não podem se dar ao luxo de parar no meio da semana, mantêm a rotina usual.
A ideia é estimular maior concentração no início e no fim da semana, com um dia para arejar a cabeça no meio, favorecendo maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, diz Thadeu Diz, cofundador e diretor criativo da empresa:
— Além de equilibrar trabalho e qualidade de vida, o modelo foi uma oportunidade de tornar produtivos tanto o início quanto o fim da semana. Para os funcionários, é importante ter mais um dia para passar tempo com os filhos ou desenvolver um novo hobby.
Segundo ele, as reuniões se tornaram mais objetivas, e os times também passaram a se ajudar mais para que as entregas fossem feitas com a qualidade necessária e em menos tempo. O ganho mais significativo, no entanto, foi na produtividade.
Outro caso é o da agência de comunicação Shoot, que é 100% virtual e decidiu adotar o regime de quatro dias em fevereiro. A equipe foi dividida em dois grupos: alguns funcionários folgam às sextas e outros, às segundas. Luciano Braga, sócio da empresa, diz que a decisão veio da percepção do quanto os colaboradores se sentiam cansados do trabalho, mesmo após dias com poucas tarefas. O humor dos empregados, segundo ele, mudou:
— O pessoal está mais engajado, e também mais relaxado. Nossa produtividade não aumentou tanto, mas diria que mantivemos o mesmo nível, o que já funciona muito. A empresa não adotou essa política para ser mais produtiva, mas foi mais uma consequência, assim como a melhora na autogestão dos funcionários.
Para Braga, a tradicional semana de cinco dias úteis já está datada. Ele acredita que as empresas que contam com uma opção melhor acabam se destacando na atração de talentos entre os profissionais mais qualificados. Desde que adotou a semana de quatro dias, cada anúncio de nova vaga recebe mais candidatos.
— A empresa recebia por volta de cem currículos por vaga, mas esse número chegou a setecentos quando adotamos o regime de quatro dias de trabalho. O nosso número de seguidores no Instagram e no LinkedIn também aumentou — disse o empresário.
A Crawly, de Belo Horizonte, adotou essa estratégia bem antes de virar tendência na pandemia. A empresa de inteligência de dados já tem semana mais curta há quatro anos. Quando começou, o benefício foi dado apenas aos desenvolvedores, como forma de atrair colaboradores diante da escassez de profissionais de tecnologia no mercado. A estratégia foi usada por outras empresas do setor, diz Luísa Lana, gerente financeira da Crawly, e a empresa foi atrás.
— Para implementar a mudança, ajustamos as agendas para fazer só entregas às quintas. Tendo mais um dia de folga, os funcionários se sentem mais motivados a entregar um melhor serviço e a permanecer na empresa — diz a executiva, que ouve de candidatos a vagas que a semana de quatro dias pesou na busca pela empresa.
Na Eva Benefícios, de Ouro Preto (MG), os funcionários passaram a serem procurados no LinkedIn por outros profissionais em busca de uma vaga desde que a empresa adotou três dias de folga semanais. Mas, apesar da satisfação dos colaboradores, o CEO Marcelo Lopes admite que nem todo mundo consegue se desligar do trabalho às sextas-feiras, que agora é off na empresa. A mudança de cultura, avalia o executivo, é lenta:
— É preciso um tempo para o colaborador assimilar esse novo benefício e entender que pode planejar a sua vida para ter três dias de finais de semana — disse Marcelo.
A representante de Desenvolvimento de Vendas da Eva Benefícios, Beatriz Ribeiro, concorda, mas destaca que a empresa vê esse tipo de benefício como uma forma de promover saúde e bem-estar entre os funcionários, que no final das contas podem produzir mais:
— Hoje vemos doenças bem graves no meio corporativo por causa do excesso de trabalho, então desacelerar é importante, mas ainda vai demorar um pouco para cairmos na realidade de que temos mais um dia para descansar.
Por trás dos planos para reduzir a semana útil está um esforço nas empresas de compensar as horas cortadas cortando tarefas ineficientes e reorganizando processos sem afetar o desempenho da empresa. A premissa parte do modelo conhecido como 100:80:100, que significa 100% do pagamento por 80% do tempo do colaborador, em troca de 100% de produtividade.
Em muitos casos, os adeptos do modelo dizem que é possível aumentar o retorno dos funcionários. Em alguns países, empresas estão testando o modelo como uma forma de testar na prática se oferecer mais qualidade de vida aos colaboradores pode representar uma vantagem competitiva em relação à concorrência.
Estudos indicam que funcionários mais felizes se sentem motivados e são mais produtivos, o que é melhor para as empresas na ponta da linha. Entre 2015 e 2019, um estudo feito pela Associação de Sustentabilidade e Democracia (Alda) e pela instituição britânica Autonomy analisou os benefícios da redução dos dias de trabalho em cerca de 2.500 trabalhadores na Islândia. Os resultados indicaram que a produtividade se manteve a mesma ou até aumentou em alguns casos.
Os Emirados Árabes Unidos foram o país pioneiro na redução no número de dias de trabalho. Lá, desde janeiro deste ano, todos os funcionários de órgãos públicos colaboram com apenas 36 horas semanais, divididas em quatro dias úteis.
Em junho, no Reino Unido, mais de três mil trabalhadores em 70 empresas diferentes começaram a trabalhar por apenas quatro dias na semana, sem perda de pagamento, como parte do maior teste do mundo sobre o novo modelo de trabalho.
Trata-se de um teste, que terá seis meses de duração, organizado pela principal instituição para a promoção da semana de quatro dias de trabalho, a 4 Day Week Global, em parceria com pesquisadores das universidades de Cambridge, Oxford e Boston.
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