'Menopausa masculina' existe? Entenda sintomas

“Será que estou na andropausa?” A pergunta tem se tornado cada vez mais comum nos consultórios médicos, geralmente feita por homens acima dos 40 anos, incomodados com uma baixa na disposição. Entretanto, a resposta não é tão simples quanto parece.
Isso porque, diferentemente do que muita gente acredita, a tal andropausa não consiste numa fase obrigatória na vida dos homens. Mais do que isso, o termo nem sequer é considerado adequado pela medicina e pode levar a confusões e tratamentos indevidos.
Nós explicamos. Embora o nome sugira uma "versão masculina da menopausa", tema bastante em alta entre o público feminino, com lançamento de livros, reportagens e até peça de teatro, a comparação soa imprecisa. A menopausa envolve uma transição biológica esperada e inevitável para elas, com uma parada abrupta na produção dos hormônios sexuais por volta dos 50 anos. Nos homens, há uma redução lenta e progressiva da testosterona, mas que não afeta a todos da mesma forma, nem ocorre com hora marcada.
“O que existe é uma síndrome chamada DAEM, ou deficiência androgênica do envelhecimento masculino, que atinge de 20% a 30% dos homens e pode demorar décadas para se instalar e trazer sintomas de forma a chamar atenção”, explica o urologista Eduardo Miranda, supervisor no Departamento de Andrologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Os sintomas da andropausa, a menopausa dos homens
Os sintomas da DAEM são diversos e muitas vezes inespecíficos. Entre os principais aparecem queda da libido e das ereções espontâneas; fadiga, cansaço crônico e baixa motivação; aumento de gordura corporal e perda de massa muscular; redução da densidade óssea, com risco de fraturas; dificuldades cognitivas, de foco e memória; e alterações de humor, irritabilidade e até sintomas depressivos.
Em geral, o indício mais sensível — e que geralmente aparece primeiro — é a diminuição da libido. Pequenas alterações hormonais já afetam o desejo. Em quadros mais graves, o homem perde completamente o interesse e a energia em relação ao sexo.
Justamente por se mostrarem comuns, esses sinais muitas vezes passam despercebidos. “A fadiga constante, a perda de interesse sexual e o cansaço matinal acabam sendo confundidos com o próprio envelhecimento”, diz o endocrinologista Lucas Bandeira Marchesan, membro do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade (Defat) da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
A endocrinologista Tarissa Petry, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, acrescenta que esses sinais também passam por ansiedade, burnout ou depressão. “Existem sintomas como queda de massa muscular, aumento da gordura visceral e humor deprimido que, muitas vezes, são atribuídos à rotina e ao estresse.”
No meio de tudo isso, o diagnóstico correto é essencial. Se prescrito erroneamente, um tratamento com testosterona, alternativa buscada sem necessidade por muita gente e associada ao ganho muscular, pode mascarar o real problema e gerar riscos a longo prazo.
A redução dos níveis de testosterona
O envelhecimento traz uma leve diminuição do hormônio, estimada em 1% ao ano após os 35, o que não se torna obrigatoriamente um problema. Por volta dos 65-70 anos, deve acontecer um declínio mais marcado, mas uma minoria de pacientes precisa de reposição. “Não existe um padrão. Alterações na velocidade dessa queda dependem de uma série de fatores, inclusive genéticos”, diz Marchesan.
O que determina se a baixa hormonal demandará atenção não é apenas a idade do homem, mas principalmente seu estilo de vida e estado de saúde. Fatores como obesidade, sedentarismo, diabetes, apneia do sono e estresse crônico estão entre os principais vilões, que nem sempre são levados em consideração.
“Hoje vemos jovens, de menos de 40 anos, com testosterona baixa, justamente por causa do perfil metabólico. O excesso de gordura, por exemplo, interfere diretamente na produção e na ação desse hormônio”, explica Miranda.
A DAEM só pode ser diagnosticada quando existirem dois critérios combinados: sintomas típicos (da pouca libido às alterações cognitivas) e níveis baixos de testosterona comprovados em exames de sangue realizados em pelo menos dois momentos, com intervalo sugerido de um mês entre eles. Isso porque a quantidade de hormônio oscila naturalmente. Então, deve-se confirmar se a baixa persiste.
Além disso, vale lembrar que a ação da testosterona não depende apenas de seu nível no sangue. Ela precisa se conectar a receptores androgênicos específicos, que variam de pessoa para pessoa.
“Alguns homens têm receptores mais sensíveis, o que permite que eles funcionem bem mesmo com níveis mais baixos de testosterona no organismo. Outros precisam de mais hormônio para alcançar o mesmo efeito”, afirma Miranda, ao ressaltar que ainda não existe uma ferramenta clínica que meça o número de receptores. “Tudo depende da análise do médico.”
Por isso, os valores de referência nos exames ainda geram debates, e não há uma “nota de corte” única e consensual que estipule níveis adequados de testosterona. Os laboratórios trabalham com números diferentes, e a interpretação cabe ao profissional de saúde. “Abaixo de 250 ng/dL, a perspectiva de deficiência de testosterona se mostra altíssima. Acima de 400, ela é praticamente descartada. Porém, se os níveis estão entre 250 e 400, entramos em uma zona cinzenta, em que a interpretação clínica se torna fundamental, com base em uma boa anamnese do paciente”, explica Miranda.
Quando e como repor a testosterona
“Se o homem exibe sintomas, mas os níveis hormonais estão normais, devem-se investigar outras causas. Da mesma forma, se a testosterona está baixa, mas não existem sintomas, não consideramos DAEM”, analisa Elizeu Neto, especialista em urologia oncológica.
Se o tratamento for de fato indicado, as opções incluem injeções periódicas (mensais ou trimestrais), géis de aplicação diária ou comprimidos. O objetivo não é “otimizar” o corpo, mas normalizar uma função comprometida. “Se, diante de um homem doente, com deficiência confirmada, você normaliza os níveis hormonais, ele volta a ficar saudável. Mas, se tenta deixar ‘melhor’ alguém com testosterona normal, o ganho é mínimo e os perigos aumentam”, alerta Miranda.
“Quando bem prescrita, a reposição hormonal traz benefícios como melhora da libido, do humor, da massa muscular, da anemia e da densidade óssea. Quando não, o uso de hormônio acarreta aumento de riscos como o cardiovascular. É importante o acompanhamento médico regular no processo do tratamento”, observa a endocrinologista Tarissa.
Um dos maiores efeitos colaterais da reposição hormonal realizada sem critério ou por conta própria está associado à infertilidade. Isso acontece porque, ao ser introduzida a testosterona no organismo, o corpo assimila que já existe hormônio suficiente e interrompe a produção natural, inclusive nos testículos, onde ocorre a formação dos espermatozoides. Ou seja, essa reposição funciona como um anticoncepcional masculino.
“O cérebro entende que está tudo bem e desliga a fábrica. No exame de sangue, os níveis de testosterona ficam ótimos, mas, nos testículos, a produção de esperma zera”, diz Miranda. Ao interromper o uso, esse efeito é reversível na maioria dos casos, mas pode levar até dois anos para que o corpo volte a produzir espermatozoides normalmente.
Por isso, para homens que desejam virar pais, a reposição convencional em caso de deficiência não deve ser feita. “Existem terapias alternativas e medicamentos específicos que estimulam os testículos a produzir testosterona de forma endógena, preservando a fertilidade. Porém, é preciso acompanhamento personalizado”, avisa o profissional.
Estilo de vida: a chave da prevenção
Embora o envelhecimento traga, sim, uma tendência natural à queda hormonal, dá para prevenir ou retardar seus efeitos com mudanças de hábitos. Isso porque sintomas atribuídos apenas à testosterona baixa, como a falta de energia, também se relacionam ao estilo de vida inadequado. Alguns são potencializados com poucas horas de sono, má alimentação, estresse, sedentarismo...
Assim, manter o peso saudável, praticar exercícios, principalmente musculação, dormir bem, reduzir o nervosismo e evitar o álcool e o tabaco são medidas que impactam diretamente a produção e o funcionamento do hormônio no organismo.
“Hoje temos, por exemplo, medicações seguras e eficazes para o manejo da obesidade, um dos fatores que levam à queda de testosterona. Além disso, manter um estilo de vida saudável desde a juventude evitará doenças crônicas futuras associadas ao chamado hipogonadismo”, diz Marchesan.
Os especialistas enfatizam que a busca por uma versão “melhorada” de si mesmo tem levado muitos homens a recorrer à testosterona como solução rápida. Porém, esse caminho tornou-se perigoso. “Atualmente, estamos tratando depressão, ansiedade e fadiga com testosterona. E isso pode até trazer uma melhora inicial, mas não resolve a causa real. A longo prazo, a conta chega”, alerta Miranda.
Além da infertilidade, o uso indevido pode levar à hipertrofia cardíaca e ao maior risco de trombose e doenças cardiovasculares, sem contar as alterações na próstata e a atrofia testicular. “Trata-se de uma intervenção segura, mas somente quando bem indicada e acompanhada de perto”, ressalta o especialista Elizeu Neto.
Apesar dos avanços da ciência, a saúde masculina ainda vive cercada de tabus. Muitos homens resistem a buscar ajuda, acreditando que a perda de libido, motivo de vergonha para parte da população masculina, ou a fadiga sejam normais no envelhecimento. Entretanto, elas não precisam ser. “Falar sobre isso, esclarecer dúvidas e combater mitos mostra-se fundamental para que mais homens cuidem da sua saúde de forma integral”, conclui Marchesan.