Biden desiste de candidatura à Casa Branca e endossa vice Kamala Harris
A pouco mais de três meses da eleição, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, 81, anunciou neste domingo (21) que não será mais candidato à reeleição. Ele não resistiu à intensa pressão interna do Partido Democrata pela sua saída, que começou após o desastroso desempenho no debate realizado no fim de junho e não arrefeceu mesmo após várias tentativas do presidente de assegurar apoiadores e eleitores de que tinha condições de derrotar Donald Trump.
O anúncio foi feito por meio de uma carta publicada nas redes sociais do presidente. Biden disse que vai explicar melhor sua decisão em um pronunciamento à nação nesta semana. O presidente, em seguida, endossou sua vice, Kamala Harris, para ser a candidata democrata na eleição de novembro.
"Acredito que é o melhor para o meu partido e para o meu país que eu desista e me concentre apenas em completar meus deveres como presidente pelo restante do meu mandato", afirmou o democrata.
A decisão foi tomada enquanto Biden está isolado em sua residência em Rehoboth Beach (Delaware) para se recuperar da Covid. Na noite de sábado, o presidente trabalhou com assessores próximos na nota em que anunciaria a decisão e a comunicou a familiares, segundo relatos na imprensa americana.
Harris, o chefe de gabinete, Jeff Zients, e a gerente de campanha, Jen O'Malley Dillon, ficaram sabendo da desistência apenas neste domingo. O restante de seus assessores da Casa Branca foram avisados em uma ligação um minuto antes de a carta ser postada. O restante de seu gabinete de governo ficou sabendo pelas redes sociais.
O círculo limitado de pessoas envolvidas indica a mágoa de Biden com os crescentes vazamentos à imprensa recentes e comentários sob condição de anonimato de aliados que defendiam sua saída do pleito.
As lideranças do partido no Congresso elogiaram em nota o presidente e a decisão dele de se retirar da corrida. O senador Chuck Schumer afirmou que Biden "mais uma vez colocou seu país, seu partido, e nosso futuro em primeiro lugar". "Joe, hoje mostra que você é um verdadeiro patriota e um grande americano".
Na mesma linha, o líder dos democratas na Câmara, Hakeem Jeffries, elogiou as conquistas de Biden durante sua presidência. Nenhum dos dois congressistas endossou até agora algum nome para substiutí-lo.
Barack Obama descreveu a escolha como um "testemunho de amor" de Biden pelo país. O ex-presidente, no entanto, não endossou Kamala. Tampouco o fez a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi. "Deus abençoou a América com a grandiosidade e a bondade de Joe Biden", escreveu a deputada.
O anúncio gerou uma avalanche de doações para os democratas. Segundo monitoramento feito pelo New York Times, foram arrecadados mais de US$ 30 milhões -o maior volume em um único dia desde a eleição de 2020.
Já os adversários republicanos responderam ao anúncio pedindo a renúncia de Biden e acusando Kamala de ser cúmplice do declínio cognitivo do presidente. A campanha de Trump também aproveitou a notícia para pedir novas doações a apoiadores.
"Joe Biden não pode sair de uma campanha para presidente porque ele é mentalmente incompetente demais e ainda permanecer na Casa Branca", afirmaram em nota Chris LaCivita e Susie Wiles, assessores do republicano. "A pergunta então para Kamala Harris é simples: sabendo que Joe Biden se retirou da campanha por causa de sua condição em rápida deterioração, Harris acredita que o povo da América está seguro com Joe Biden na Casa Branca por mais seis meses?"
A campanha do presidente tentou de várias formas se recuperar do debate -Biden deu uma entrevista exclusiva para a ABC News dias depois do debate, participou de uma entrevista coletiva após a cúpula da Otan na qual conversou diretamente com a imprensa por uma hora, e fez uma série de discursos enérgicos em eventos de campanha, insistindo na tese de que era a pessoa melhor posicionada para evitar uma vitória de Trump em novembro.
Mas os esforços foram marcados por problemas que agravaram as preocupações de democratas sobre a idade avançada do presidente. Na entrevista coletiva, confundiu sua vice, Kamala Harris, com seu adversário, Donald Trump; nos discursos de campanha e conversas com a imprensa, cada nova gafe piorou sua situação com aliados e fortaleceu vozes do partido que pediam sua saída.
O anúncio de Biden vem em um momento em que as pesquisas de intenção de voto colocavam o presidente atrás de Trump em estados-chave como Pensilvânia, Wisconsin e Michigan, tornando mais remotas as chances de vitória do democrata.
Também acontece uma semana depois da tentativa de assassinato contra Trump e logo após a convenção do Partido Republicano que oficializou o ex-presidente como candidato, eventos que energizaram a base do adversário, enquanto Biden precisou interromper a campanha para fazer isolamento social em casa em Delaware após receber um diagnóstico de Covid-19.
A decisão histórica de Biden de desistir da candidatura torna imprevisível a disputa pela Casa Branca neste ano. Democratas terão que definir uma nova chapa na convenção do partido, prevista para agosto, em Chicago.
Os principais nomes que vêm sendo cotados para substituir o presidente na chapa democrata, além de Kamala, são os governadores Gavin Newsom (Califórnia), J.B. Pritzker (Illinois), Josh Shapiro (Pensilvânia) e Gretchen Whitmer (Michigan), além do secretário de Transportes, Pete Buttigieg.
Caso seja escolhida, Kamala herdará automaticamente os recursos já arrecadados pela campanha de Joe Biden. Por fazer parte da chapa, o dinheiro lhe pertence. Se outro nome for o escolhido, o partido terá duas opções: devolver o dinheiro -o que é considerado improvável- ou criar um fundo, que ficaria a disposição dos novos candidatos.
Segundo análise realizada pelo Financial Times, a partir de dados federais das campanhas nos Estados Unidos, até o final de junho, Biden tinha arrecadado US$ 281 milhões (R$ 1,56 bi). O candidato Republicano Donald Trump tinha US$ 336,2 milhões (R$ 1,86 bi) em caixa.
A última vez que uma convenção democrata serviu de fato para nomear um candidato, e não apenas oficializar o vencedor das primárias, foi em 1968. O escolhido, Hubert Humphrey, perdeu para o republicano Richard Nixon.
O anúncio antecipa o fim de uma carreira política de mais de 50 anos. Aos 29 anos, Biden foi um dos mais jovens senadores eleitos na história dos EUA e, aos 77, o presidente mais velho a tomar posse.
O democrata assumiu o país após a conturbada presidência de Trump, a quem derrotou em uma eleição até hoje questionada, sem provas, pelo adversário. Em meio à crise da Covid-19, ele priorizou o combate à pandemia e a recuperação dos EUA.
Seu mandato foi marcado por feitos expressivos, como os pacotes bilionários de incentivo à transição energética e de investimentos em infraestrutura. Biden desafiou a previsão predominante entre economistas de que uma recessão era inevitável e alcançou uma das taxas de desemprego mais baixas da história.
Em contrapartida, a inflação disparou durante o seu governo, acumulando alta de quase 20%. A alta do custo de vida foi o início do fim da lua do mel do presidente com o eleitorado.
À alta de preços somou-se o aumento da entrada irregular de imigrantes nos EUA, alcançando níveis recordes. Cenas de caravanas vindas do México reproduzidas na TV reforçaram a imagem de descontrole na fronteira e de fraqueza do presidente.
Biden viu ainda a eclosão de duas guerras durante seu mandato: a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, e o conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, iniciado em outubro de 2023. Nos dois casos, sua decisão foi manter-se fiel às alianças americanas com Kiev e Tel Aviv, em contraposição a Moscou e a adversários americanos no Oriente Médio.
A decisão do democrata teve um custo político. O apoio à Ucrânia foi crescentemente questionado pela população e a oposição no Congresso. A aliança com Israel, por sua vez, fragmentou sua base, sobretudo a ala mais jovem e progressista da coalizão que o elegeu em 2020. Este grupo passou a criticar Biden por considerar que a Casa Branca estava chancelando a ofensiva contra palestinos, sob a qual recaíram acusações de genocídio, rejeitadas por Tel Aviv.
Questionamentos sobre a viabilidade eleitoral e a capacidade de Biden de exercer um novo mandato, em face de sua idade, ocorreram praticamente ao longo de todo o seu mandato. Cenas de tropeços, especialmente a queda durante uma cerimônia militar, correram o mundo.
Biden havia conseguido reduzir em certa medida dúvidas sobre sua candidatura após as seguidas vitórias nas primárias e o bem avaliado discurso de Estado da União, em março.
No entanto, tornaram-se mais frequentes nas últimas semanas situações em que o presidente parece desorientado ou com dificuldade de falar. Uma das razões para sua campanha decidir antecipar o debate presidencial para antes mesmo das convenções era justamente aplacar os rumores sobre sua saúde.
O desastre de sua aparição no debate de 27 de junho acabou tendo o efeito contrário e abriu uma crise no partido, que passou a não confiar em Biden para derrotar Donald Trump, 78, em novembro.