'Vi meu corpo caído no chão': os brasileiros que estiveram quase mortos e voltaram
Um estudo conduzido por uma pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) revelou que pacientes que passam por experiências de quase morte (EQM) traumáticas — consideradas perturbadoras — podem ter consequências psicológicas que rompem com as certezas existenciais e alteram de forma significativa o fluxo da chamada "vida normal".
Pós-doutoranda pelo Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP, Beatriz Ferrara Carunchio chegou a essa conclusão ao estudar relatos coletados por ela mesma durante sua pesquisa de doutorado, realizada na PUC-SP.
- Citando autores da área da psiquiatria e da psicologia, ela explica que as EQMs são eventos psicológicos profundos que têm elementos transcendentais e místicos;
- Ocorrem, normalmente, com indivíduos que estão próximos da morte ou em situações de perigo físico ou emocional intenso;
- As experiências acontecem durante a morte clínica de pacientes — quando há ausência de atividade no córtex cerebral, mas ainda com possibilidade de reanimação —, nunca na morte encefálica, que é uma condição irreversível;
- O artigo publicado na Revista Rever, da PUC, indica que, na maioria dos casos, uma EQM leva o paciente a um contexto agradável, com relatos sentimentais de paz, amor e acolhimento; diferente do cenário de angústia, medo ou dor típicos de uma situação de doença grave, acidente ou violência que o tenha levado a esse estado;
- No entanto, a neuropsicóloga aponta que, em alguns casos, não é isso que acontece — nas EQMs perturbadoras, a maioria dos fenômenos relatados são desagradáveis, causadores de dor, medo ou incertezas.
Principais características
Beatriz explica que as EQMs em geral costumam apresentar algumas das seguintes características:
Experiência fora do corpo: geralmente, pacientes relatam flutuar e ver o corpo de cima;
Atravessar um túnel: há relatos de pessoas que veem túneis com ou sem luz no final;
Consciência de estar morto: a noção pode surgir de forma intuitiva ou ser deduzida após observar o próprio corpo de cima, aparentemente sem vida;
Paz e serenidade: mais comum em EQMs agradáveis, geralmente são relatados como mais intensos;
Revisão da história de vida: a pessoa pode apenas assistir às cenas, revivê-las e até vivenciar do ponto de vista de outra pessoa relacionada com o acontecimento;
Ver entes queridos já falecidos: além de pacientes "visitarem" familiares já mortos, há relatos de crianças que veem parentes falecidos há anos e depois os identificam em fotos antigas;
Visitar outros planos: os relatos variam entre lugares de grande beleza (jardins ou "cidades de luz") e locais desertos e pantanosos;
Luz brilhante: o brilho relatado é intenso, mas sem ferir os olhos; alguns pacientes identificam como um ser que detém todo o conhecimento; pessoas religiosas podem identificar como Deus, um guia, orixá, etc, a depender da crença.
Beatriz Carunchio realizou o estudo com 350 pessoas do Brasil e observou que o fenômeno afetou 14% dos pacientes em geral e 51% dos pacientes que correram risco de morte. Ela indica que as condições que desestabilizaram o paciente podem sugerir do tipo de elemento predominante na EQM.
"Pacientes intoxicados, alcoolizados, com overdose de drogas ou mesmo sob o efeito de medicamentos com efeitos sobre o nível de consciência podem apresentar EQM com aspectos bizarros e confusos, enquanto pacientes que têm EQM após parada cardiorrespiratória apresentam, caracteristicamente, experiência fora do corpo. Já aqueles que se depararam com o risco de morte repentino, como em um acidente, apresentam marcadamente prevalência de elementos cognitivos, como revisão da história de vida, distorção temporal ou aceleração do pensamento."
'Acho que fui pro inferno, nada nunca mais foi igual'
O relato a seguir é de um engenheiro de 42 anos, católico, que se afogou. Após a experiência, ele desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático e distúrbios do sono.
"Faz três anos que eu me afoguei e fui para um lugar horrível. Era escuro e sujo, pessoas gritando e chorando. Tinha um homem que ria enquanto levava muitas pessoas presas numa corrente. Ele me viu e diz que logo iria me levar."
"Não gosto de contar isso porque ou acham que sou louco ou então acham que sou uma má pessoa por ter ido pra esse lugar. Eu acho que fui para o inferno. Nada nunca mais foi igual. Não tem uma noite que eu durmo bem e não tenho pesadelo com isso."
"Sinto uma falta de ar, me sinto vigiado pelo mal. Quando penso nisso, tenho medo e muita vergonha. Não sou uma pessoa ruim. Espero que tudo se ajeite, espero ser bom e também ser mais próximo de Deus."
Segundo Beatriz, esse é o tipo 3 de EQM perturbadora, que são aquelas em que a maioria dos fenômenos relatados são desagradáveis, causadores de dor, medo ou incertezas.
“Vivi uma experiência em um local pantanoso e trevoso”, descreveu um biomédico de 26 anos, que também teve uma EQM do terceiro tipo ocorrida após uma hemorragia no pulmão.
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