Intersexo: ‘Sou geneticamente homem, mas nasci com genitália feminina’

Portal SBN
Quarta, 20 de outubro de 2021, 16:15:21

Intersexo: ‘Sou geneticamente homem, mas nasci com genitália feminina’

Brasil - Intersexo

Quando tinha 13 anos, a criadora de conteúdo Mayara Araújo, de São Paulo (SP), fez um ultrassom abdominal que deixou o médico confuso durante o exame. A jovem paciente não tinha útero. Araújo e sua mãe, no entanto, não ficaram tão surpresas. Outras quatro parentes também vieram ao mundo assim.

Sempre que nasce uma menina na família, desconfia-se que ela possa ter síndrome de Morris, também conhecida como síndrome de insensibilidade androgênica. Trata-se de uma condição que afeta o desenvolvimento sexual de indivíduos geneticamente masculinos, portadores de um par de cromossomos XY.

Araújo, uma prima e três tias são, do ponto de vista genético, homens, porém com aparência feminina. Por causa de uma mutação no gene AR, localizado no cromossomo X, o corpo delas não responde aos hormônios andrógenos, como a testosterona. Um feto com essa mutação não conseguirá desenvolver características sexuais masculinas, como o pênis e as vesículas seminais.

“Essas pessoas apresentam características femininas ou intersexuais ao nascimento, podendo exibir genitália externa feminina, desenvolvimento de mamas e vagina cega [sem útero e canal vaginal], apesar de um cariótipo masculino 46,XY normal”, explica a bióloga Larissa Nascimento Antunes, coordenadora de aconselhamento genético e assessora científica da Igenomix Brasil.

É o caso de Araújo. “Eu tenho órgão genital feminino e seios, mas nasci sem útero e com testículos no lugar dos ovários”, conta, atualmente aos 29 anos. Com o resultado do exame, a mãe levou a filha ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, mesmo local onde as outras familiares se tratam.

Desafios de nascer sem útero e ovários
 
A síndrome de Morris pode ser desafiadora para quem tem a condição. Aos 14 anos, a criadora de conteúdo foi submetida a uma operação que removeu os testículos, e começou a fazer terapia de reposição hormonal. Depois da cirurgia, ela ganhou mais de 40 quilos. “Estou na luta, mas já consegui sair dos três dígitos”, celebra.

A osteoporose, uma complicação comum da privação de hormônios, chegou cedo, aos tenros 16 anos. Por isso, Araújo faz uma dieta rica em cálcio e pratica exercícios com regularidade.

O mais difícil para ela foi se dar conta de que não é igual às outras mulheres. “Naquela idade em que as meninas perguntam se [a menstruação] já desceu, eu fingia que sim. Eu me sentia muito diferente dos outros, uma aberração”, desabafa.

Além disso, Araújo se deu conta que nunca poderia engravidar. “Eu sonhava em ser mãe. Mas com o tempo eu descobri que não precisava gerar uma criança para amá-la. Se um dia o desejo da maternidade voltar, eu vou tentar adotar uma criança”, conta.

Para a endocrinologista Karen De Marca, diretora da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), pessoas com condições de intersexo devem ser tratadas com acolhimento e sensibilidade.

“A gente tem que ter muito cuidado para informar a uma menina que ela nunca vai poder gestar e que vai sempre precisar de terapia hormonal. Isso pode ser muito assustador, frustrante e estigmatizante”, diz a médica
 

Como a síndrome de Morris se manifesta
 
Indivíduos geneticamente do sexo feminino costumam ser apenas portadores assintomáticas. Isso significa que podem apresentar a mutação no gene AR, sem consequências clínicas.
Em cerca de 30% dos casos, a mãe carrega a mutação no gene AR e, por ter um cromossomo feminino normal, não manifesta sintomas. No entanto, ela pode passar a mutação para seus filhos, como ocorreu com Araújo.

“O aconselhamento genético é fundamental para indivíduos e famílias com diagnóstico de síndrome de Morris. Ele fornece informações sobre as causas, manifestações e implicações da síndrome, além de auxiliar a avaliar o risco de transmissão da condição para futuras gerações e explorar opções de planejamento familiar, se necessário”, diz Antunes.

Nos 70% dos casos restantes, a mutação ocorre aleatoriamente. “É importante frisar que esse é um evento raro, pois a frequência da síndrome de Morris na população é de aproximadamente 1 em cada 20.000 a 1 em cada 64.000 nascimentos”, aponta a bióloga.
 

Como é o diagnóstico da síndrome de Morris
 
O diagnóstico da síndrome de Morris é clínico, a partir da análise das características do paciente, e confirmado por um exame de cariótipo. O teste mostra que uma pessoa que nasceu com uma genitália feminina ou ambígua se trata, na realidade, de um indivíduo do sexo genético masculino, com cromossomo 46XY.

“É possível investigar logo que a criança nasce, ao longo da primeira infância ou na puberdade. É aquele menino que tem um micropênis ou aquela menina que tem genitália feminina e desenvolve mama, entretanto não menstrua”, afirma De Marca.

De acordo com a médica, uma garota com a síndrome pode ter ainda vagina curta, sem profundidade para penetração sexual.
 

Tratamento para síndrome de Morris
 
O tratamento da condição se concentra no manejo dos sintomas. “Não há nenhum método disponível até agora para corrigir o funcionamento inadequado das proteínas receptoras de andrógenos”, afirma Antunes.

A terapia de reposição hormonal se assemelha à da menopausa, com a diferença de que usa-se exclusivamente estrogênio, sem progesterona. Além disso, a dose é maior do que a recomendada para uma mulher no fim da vida reprodutiva.

“Há também cirurgias de readequação genital em casos de um clitóris mais exuberante ou de microfalos. E, se os testículos nascem fora da bolsa escrotal, dentro do abdômen, precisam ser retirados pelo risco de causar câncer”, informa a endocrinologista.

A ausência de andrógenos pode afetar a saúde óssea, aumentando o risco de osteoporose e fraturas ao longo da vida. Por isso, pessoas com essa condição precisam ser acompanhadas de perto.

Araújo se diz atualmente em paz: “Me aceito super de boa. Me acho até privilegiada de não passar pelo perrengue de menstruação e cólica”.

PORTAL  SBN | COM INFORMAÇÕES DA REVISTA  Marie Claire 


 


 

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