Fumaça força volta das máscaras da pandemia no país

Diante das queimadas da seca mais extensa registrada no Brasil, moradores de cidades mais afetadas pelas fumaças resgataram um item que era essencial durante pandemia de Covid-19: a máscara de proteção da boca e do nariz. Do Norte ao Sul, a proteção voltou às ruas, mesmo sem ter o uso obrigado pelas autoridades. Médicos e especialistas frisam a necessidade de proteção, especialmente para quem tem problemas respiratórios.
Em Porto Velho, a máscara começou a faltar nas farmácias, depois de a capital de Rondônia se tornar a cidade brasileira com a pior qualidade do ar, entre as que são acompanhadas pelo IQAir, empresa suíça que monitora os níveis de poluição da atmosfera.
— Tive dificuldade para encontrar. Andei por pelo menos quatro farmácias até encontrar máscara, e o preço aumentou bastante — afirma Ive Cabral, contadora e moradora de Porto Velho, que usa a proteção principalmente nas primeiras horas do dia e à noite, quando sai de casa. — São os piores horários de fumaça.
A publicitária Maria Luisa Medeiros procurou atendimento médico em Porto Velho três vezes por causa de bronquites e infecção na garganta, mesmo não tendo problemas respiratórios crônicos. Depois disso, passou a usar máscara quando anda na rua, o que sempre evita fazer e a faz interromper exercícios ao ar livre. Ela prefere se deslocar de carro. Em casa, o umidificador é imprescindível. Medeiros lamenta que não vê há um mês o céu “sempre azul” citado no hino de Rondônia, motivo de orgulho local.
— A gente não vê mais o céu, é só calor e fumaça — lamenta. — Nunca vivi isso. Todo ano tem seca e fumaça, mas esse ano está muito pior. O sol parece uma luz de led laranja. A lua, esquece. E estrela, não sei mais o que é. Nem o prédio da frente da minha casa eu vejo mais direito, já esqueci até a cor dele.
A publicitária conta que o público diminuiu no Espaço Alternativo de Porto Velho, avenida que é uma das principais opções de lazer da população, por fechar diariamente para uso exclusivo de pedestres.
— Está impraticável. Se eu andar na rua, boto máscara, mas acho que muita gente parou de usar por causa do calor intenso. É muito desconfortável, preferem nem sair de casa. É horrível, o cheiro de fumaça é constante — afirma a moradora, que diz acompanhar as recomendações de máscara pelos jornais. — No hospital, o médico falou que todo dia chega muita gente com tosse ou dor da garganta.
No escritório
Como Medeiros, Ive Cabral diz que a poluição neste ano é mais intensa. Ela chegou a usar máscara até dentro do escritório, nos piores dias.
— Essa não é a primeira vez que tem fumaça, então já usei máscara outros anos. Mas com certeza estou usando há mais tempo dessa vez. Já tive pneumonia, e as alergias sempre atacam nessa época.
Em Manaus, a Fiocruz Amazônia passou a recomendar o uso da máscara há um mês, o que foi seguido pelo epidemiologista Jesem Orellana. Ele conta que maioria da população não usa, mas é possível ver a proteção em ambientes abertos e no transporte coletivo.
— Já tive tuberculose e tenho rinite alérgica — diz Orellana, que destaca alguns efeitos da fumaça sobre a saúde, como tosse seca, sensação de falta de ar, irritação dos olhos e garganta, congestão nasal ou alergias na pele. — Indiretamente, o problema pode contribuir para o agravamento de doenças cardiovasculares e respiratórias.
No Pantanal, a máscara tornou-se essencial à brigadista voluntária Virginia Paes, que vive na comunidade ribeirinha da Área de Proteção Ambiental Baía Negra, em Ladário (MS).
— Comecei a usar por causa da fumaça e porque sinto muito cansaço. Estou exposta à fumaça a todo o momento, no sábado passado ajudei no combate a um incêndio.
Com os corredores de vento que vão do Norte ao Sul do país, não são apenas os municípios próximos das queimadas que sofrem com a fumaça. Nesta semana, Curitiba (PR) registrou seu pior índice de qualidade do ar desde 2008. A criadora de conteúdo Natália Nofke de Almeida começou a sentir falta de ar, dor de cabeça e garganta ressecada. E recorreu à máscara para andar na rua.
— É a primeira vez que uso por causa de poluição, nunca pensei que ia chegar nesse ponto — afirma Nofke. — As pessoas me olham com cara de espanto, não sei se é trauma da pandemia. Uma amiga que também estava com dificuldade de respirar começou a usar agora.
Diferença da pandemia
Perguntada sobre possibilidade de se determinar a obrigatoriedade da máscara, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou na quarta-feira que a situação é diferente da pandemia de Covid-19.
— Não está colocado o uso como algo obrigatório. Mas nossa recomendação é que se busque evitar a exposição por tempo prolongado e ficar o mais distante possível dos focos da queimada — afirmou a ministra, que também destacou a necessidade de se hidratar e de umidificar os ambientes.
Coordenadora do Laboratório de Química Atmosférica da PUC-Rio, Adriana Gioda defende o uso e explica que, além da tosse e cansaço, a alta exposição à fumaça pode desencadear asma e bronquite.
— O principal poluente emitido pelas queimadas é o material particulado PM2.5. Ele está relacionado a várias doenças, mas se manifesta em especial no sistema respiratório. Grupos de riscos são ainda mais afetados, e a recomendação é usar máscara. Principalmente a N95, que é mais eficaz em impedir a entrada de partículas PM2.5 no organismo — recomenda a especialista, que lembra que a concentração desse poluente, em Porto Velho, ficou até dez vezes acima do recomendado pela OMS.
PORTAL SBN