Vivi para contar: ‘Estava tão desesperada para salvar meu filho que não vi que ele tinha perdido o braço’
‘Eu e meu filho, Davi Giovani Guimarães, de 8 anos, nascemos de novo após o tombamento de um ônibus, em São Cristóvão, quase tirar a minha vida, a dele e de outras pessoas. Na última sexta-feira, decidi ir ao Leblon vender balas porque estava sem nada para comer em casa. Faço isso há nove anos, mesmo tempo em que moro no Rio. Faço para sobreviver e dar sustento ao pequeno Davi. No dia do acidente, meu filho havia acabado de chegar da escola, por volta das 18h. Saímos de casa, na comunidade do Jacaré, uma hora depois e fomos até a Zona Sul vender alguns doces. Ele sempre vai comigo.
Na hora de vir embora, por volta de umas 20h50, o Davi disse que iria até uma lanchonete pegar um lanche. Por volta de umas 21h, quando chegamos ao ponto final da linha 476 (Leblon—Méier), perdemos o ônibus que saía e esperamos o próximo por meia hora. Quando o segundo ônibus chegou, entramos e percebemos que as pessoas estavam reclamando da velocidade. O motorista andava rápido demais e não queria parar nos pontos. Pouco antes de chegar na descida do viaduto da Linha Vermelha, em São Cristóvão, os passageiros gritaram para o motorista ir devagar. Ele não deu ouvidos e continuou. Quando as pessoas gritaram pela segunda vez, já era tarde. O ônibus estava tombando.
Meu filho estava sentado ao lado esquerdo, na janela, segurando o lanche. Eu estava na mesma direção, mas do outro lado com a nossa cachorrinha Pandora no meu colo. Quando o ônibus estava virando, ela pulou no colo do Davi. Eu bati a cabeça. Lembro das pessoas gritando, gente machucada e muita fumaça. Achei que o ônibus fosse explodir. Um rapaz quebrou a janela, e as pessoas começaram a sair por ela. Eu me pendurei e saí. Mas meu filho não estava comigo. Desesperada, voltei para dentro do ônibus para tentar encontrá-lo. Quando percebi, Davi já tinha pulado a janela e caminhava na minha direção.
Meu filho foi impressionante. Eu estava preocupada, e ele estava tranquilo perguntando pela Pandora. Estava tão desesperada para salvar meu filho que não vi que ele tinha perdido o braço. Ele segurou na minha mão, com lágrimas nos olhos e com a roupa suja de sangue, dizendo: “Mamãe, meu braço...”. Aquilo partiu meu coração.
Um anjo, enviado por Deus, chamado Diego Mendes, salvou a vida do meu filho. Ele foi rápido ao levar Davi para o hospital e depois levar o braço dele no gelo para a equipe médica. Meu filho foi operado por cinco horas. Depois disso, ficou sedado. A última vez que falei com ele foi a caminho do hospital. Estou ansiosa para ouvir a voz dele de novo, vê-lo abrir os olhinhos. Eu fico sentada ao lado dele, dizendo que o amo, na esperança de que ele abra os olhos e veja que sobreviveu.
Não vale ficar questionando “e se” e “por quê”. Se aconteceu isso foi porque Deus permitiu. Porque ele tem planos melhores para nós dois. Eu não era uma mulher de fé, mas passei a acreditar em Deus depois do que aconteceu. Agora é cuidar da recuperação do Davi. Peço todo mundo que faça orações pela vida dele, enquanto vou lutar por justiça. Até agora ninguém da empresa de ônibus veio me procurar. Estou aqui com trauma, sem conseguir dormir direito à noite. Toda vez que fecho os olhos vem aquela cena do meu filho caindo. Não quero andar de ônibus. Fecho os olhos e vejo aquele ônibus virando. Ouço o grito das pessoas. A filha de uma amiga que também estava no ônibus teve a bacia quebrada e perdeu parte do couro cabeludo. Ela estava bem mal. O que me conforta é saber que meu filho, tão novo, vai ter uma chance.”
*Em depoimento à repórter Jéssica Marques