'Tive família completa só por 2 minutos', lamenta pai de gêmeos que perdeu esposa
O casal de professores Lilian Poloni Corrêa da Silva, 37 anos, e Ugledson de Carvalho Faria da Silva, 37 anos, de Iturama, interior de Minas Gerais, tinha um sonho: formar uma família. Foram longos dez anos até, finalmente, ter seus filhos nos braços. Mas a celebração da chegada dos gêmeos Luiza e Rafael durou aproximadamente 2 minutos — esse foi o tempo que Lilian conseguiu ficar pertinho dos filhos, ainda dentro no centro cirúrgico. "Ela disse chorando: "Amor, nosso sonho foi realizado. Foi o momento em que fizemos a única foto da nossa família completa. Infelizmente, eu tive minha família completa por apenas dois minutos", lamenta o novo pai.
Ainda na recuperação, Lilian sofreu uma hemorragia. Os médicos lutaram durante 18 horas, mas ela, infelizmente, não resistiu. "Meu mundo mudou totalmente em questões de horas, foi uma explosão de sentimentos — eu estava alegre pelo nosso sonho, mas desabei pela perda dela. Nós éramos um casal muito, muito unido; fazíamos tudo juntos, parecia um romance da Disney", disse.
Menos de dois meses depois, os bebês estão bem, com saúde e se desenvolvendo. Mas o pai ainda luta para superar a perda da esposa. "Lilian era extremamente organizada e deixou tudo impecável — nada era feito sem pensar, cada detalhe tinha um objetivo", afirmou. Em entrevista à CRESCER, ele contou em detalhes como tudo aconteceu.
CRESCER: A gravidez foi planejada?
Ugledson: A gravidez foi toda planejada. Começamos a tentar engravidar em 2013. Depois de dois anos de tentativas, sem sucesso, decidimos fazer exames. Foram mais dois anos investigando e os resultados não mostraram nada. Então, o médico pediu para viajarmos e procurar ele mais pra frente —e assim fizemos. Em 2019, voltamos, fizemos e exames e novamente, eles não mostraram nada. Em 2020, iríamos começar tratamento, mas veio a pandemia e tirou todas as expectativas. Em 2022, começamos os exames novamente, e foi aí que descobrimos que as trompas de Lilian estavam com uma distorção, que dificultavam tanto a gravidez natural quanto por inseminação. A partir desse momento, começamos a fazer exames para iniciar o processo de fertilização.
CRESCER: Como foi quando descobriram que seriam gêmeos?
Ugledson: Desde namorados, queríamos ter gêmeos. Então, quando começamos o processo da FIV, a ideia foi tentar gêmeos e um casal, se Deus permitisse, é claro. Em 17 de janeiro de 2023, iríamos implantar um embrião, mas, horas antes, recebemos a notícia de que nosso embrião não havia resistido ao descongelamento. O nosso mundo acabou naquele momento. Mas Deus tocou em nosso coração e, em abril, começamos tudo de novo, mas já cientes que, se não desse certo, não tentaríamos mais. Em 27 de maio de 2023, implantamos dois embriões, levando em consideração a estatística de que poderia vir apenas um. Nossa médica deixou bem claro — 'Vocês vão colocar dois embriões, pode ser que venham dois, pode ser que venha um, pode ser que não venha nenhum ou pode ser que venham três'. Colocamos dois e, quando fizemos e exame de sangue, já sabíamos que a probabilidade era muito grande. No final de junho, fizemos ultrassom e confirmamos que eram dois lindos bebês, e ainda recebemos a graça de vir um casal. A partir desse momento, a minha vida foi dedicada a ela e aos bebês.
CRESCER: Como foi a gravidez? como ela estava fisicamente?
Ugledson: A gravidez, mesmo sendo gemelar, foi muito tranquila. De 9 a 12 semanas, ela passou teve vômitos e até perdeu peso, mas estava dentro do esperado. Após a 13 semanas, ela apenas começou a inchar os pés e as pernas devido ao calor. Fora isso, a gestação foi muito tranquila e até o médico ficou impressionado. Ela engordou apenas 9,8 kg durante a gestação, e todos os exames estavam dentro dos padrões. Ela fez ultrassom um dia antes do parto e só recebeu elogios.
CRESCER: Sua esposa estava ansiosa pela chegada dos bebês?
Ugledson: Ela estava super ansiosa, assim como qualquer gestante. No nosso caso, foram mais de 10 anos de tentativas até realizar o sonho — e o sonho seria em dobro. Seus olhos até brilhavam quando passava a mão na barriga e falava sobre os bebês. Ela sempre foi uma mulher espetacular, sempre adorava surpresas, nem que seja uma ligação fora do horário, ou um 'eu te amo' a qualquer hora do dia. Ela via em mim um protetor dela, que estava ali, ao lado dela para tudo. E assim fomos um casal muito feliz, sofremos dificuldades juntos, mas vencemos e superamos juntos.
CRESCER: Como foi o parto?
Ugledson: O parto também aconteceu dentro do esperado. Inicialmente, ela estava bem. Eu conversei com ela, massageei durante o parto, a beijei e quando Rafael e Luiza nasceram, levamos eles para ficarem nos braços dela. Ela chorou e agradeceu dizendo nosso sonho foi realizado. Eu a beijei e fui acompanhar os bebês nos exames, e ela foi para a recuperação. Ela era deficiente auditiva e também pediu para que eu levasse o aparelho para ela. Quando retornei, não pude mais chegar perto, pois ela estava em uma área restrita. O médico disse que, depois de ir para a recuperação, ela teve uma pequena hemorragia, que foi contida. Então, a colocarem em observação, pois, caso ocorresse novamente, seria necessário fazer uma nova cirurgia — e aconteceu. Às 14h05 do dia 20 de janeiro, o médico ligou avisando que seria necessário tirar o útero dela, pois havia risco de vida. O útero foi retirado, mas durante o ligamento dos vasos, ele descobriu que ela tinha algo raro chamado fístula arterio venosa, que acabou ocasionando uma hemorragia intensa. Ele trabalhou durante bom tempo e, com a ajuda de um vascular, eles conseguiram interromper o sangramento. Ela já estava recebendo sangue, mas o médico deixou bem claro: 'O problema foi resolvido, mas, agora, começa uma nova luta, que é a transfusão de sangue'. Nesse momento, fiquei apavorado. E infelizmente às 6h30 da manhã do 21 de janeiro, ela veio a óbito.
CRESCER: Ela chegou a pegar os bebês?
Ugledson: Ela ficou com os bebês por aproximadamente dois minutos, lá mesmo no centro cirúrgico. Foi o momento em que fizemos a única foto da nossa família completa. Infelizmente, eu tive minha família completa por apenas dois minutos.
CRESCER: Como foi quando você recebeu a notícia de que ela havia partido?
Ugledson: Por volta das 6h50, o médico foi ao quarto, passou por todos e ficou na minha frente. Eu já havia sentido que ela havia partido. Por volta das 6h30, meu coração doeu muito, parecia que estava rasgando, e os bebês deram um chorinho. Naquele momento, eu senti que ela se foi. Então, quando eu vi o médico, perguntei pra ele: 'Ela partiu?'. Ele apenas mexeu com a cabeça confirmando. Ele estava arrasado, pois tentou salvar a vida dela por aproximadamente 18 horas.
CRESCER: Os bebês ficaram no hospital por quanto tempo?
Ugledson: Assim como o planejado, os bebês ficaram pouco mais de 24 horas no hospital. Eles estavam muito saudáveis. Lilian se cuidou muito durante a gestação e o médico acompanhava semanalmente como eles estavam. Todos os exames estavam perfeitos, não tinha com o que se preocupar.
CRESCER: Como tem sido desde então?
Ugledson: Desde então, minha vida virou de cabeça para baixo. Eu nunca tinha pegado um recém-nascido no colo, não sabia trocar uma fralda — eu ia aprender com ela. Lilian foi professora de berçário e já tinha experiência. Meu mundo mudou totalmente em questões de horas, foi uma explosão de sentimentos — eu estava alegre pelo nosso sonho, mas desabei pela perda dela. Nós éramos um casal muito, muito unido; fazíamos tudo juntos, parecia um romance da Disney. Hoje, minha família e a família dela me ajudam bastante, mas, em breve, eu ficarei com toda a responsabilidade, pois sempre foi um desejo nosso que os nossos filhos fossem cuidados por nós. E tudo o que nós planejamos sobre as crianças, tentarei cumprir — é o mínimo que posso fazer por ela. Lilian foi uma guerreira. Ela lutou contra muitos desafios e preconceitos, mas sempre foi determinada e conseguia provar que era capaz. Sempre tivemos muito orgulho um do outro, tudo foi conquistado junto. Não existia 'eu', era 'nós'.
Sobre a hemorragia pós-parto
A hemorragia pós-parto é caracterizada pela perda de mais de 500 ml de sangue nas primeiras 24 horas após o parto ou em até seis semanas e pode ser prevenida e tratada. A principal causa é a atonia uterina, estado em que o útero perde seu tônus muscular, ou seja, a capacidade de contração. "Após o parto, as fibras musculares do útero devem se contrair para obstruir os vasos sanguíneos que ficaram abertos após a retirada da placenta", explica Carolina Ambrogini, ginecologista e colunista da CRESCER. "Se não há contração, dizemos que o útero se tornou hipotônico, amolecido. E, nesse caso, a obstrução dos vasos fica comprometida, causando uma hemorragia", completa.
Entre outras causas mais comuns estão os traumas provocados por lacerações no canal de parto durante a descida do bebê. "Se o parto for acelerado demais, o risco de traumas é maior", exemplifica Paulo Noronha, ginecologista e obstetra especializado em parto humanizado. Retenção placentária e distúrbios de coagulação nas pacientes, como a hemofilia, também podem provocar hemorragias.
Gestações que exigem uma maior distensão do útero, como a de múltiplos, de fetos macrossômicos (que nascem com quatro quilos ou mais) e com polidrâmnio (excesso de líquido aminiótico), têm mais chances de apresentarem atonia uterina. "Inflamações no útero, como a corioamniolite, infecção bacteriana das membranas fetais, também podem provocar atonia", afirma Carolina.
Partos muito prolongados, como os induzidos, também podem provocar atonia uterina. Além da duração, o tipo de parto também influencia as chances de ter uma hemorragia ou não. Em geral, a perda de sangue em cesáreas é duas vezes maior do que em partos normais. "Isso porque, para realizar uma cesariana, é necessário cortar muitas camadas do corpo até chegar ao útero, órgão que recebe muito sangue durante a gestação", explica Noronha. "Caso a mulher já tenha sofrido uma hemorragia pós-parto, a chance de tê-la novamente em uma outra gravidez é de 15 a 20%", completa. Pacientes hipertensas, com pré-eclâmpsia, síndrome HELLP ou hemofilia também estão no grupo de risco.
Mulheres que perdem mais de um litro de sangue geralmente apresentam mais sintomas. Em geral, a hemorragia pós-parto provoca pressão baixa, taquicardia, sudorese e, em alguns casos, vômito. "A perda de sangue costuma ocorrer em até uma hora após o parto. Por isso a Organização Mundial da Saúde recomenda que a mãe seja monitorada nas primeiras duas horas após o nascimento do bebê, para que seja observado o aparecimento de qualquer sintoma", afirma Noronha.
Após identificar a causa da hemorragia, o médico deve iniciar o tratamento rapidamente. Em casos de atonia uterina, o obstetra deve administrar medicamentos que estimulem a contração do útero — o fármaco mais usado é a ocitocina sintética. Tranfusões de sangue podem ser feitas em último caso. "Se a mulher apresentar hipotensão, taquicardia e muita perda de sangue, a transfusão é necessária. Caso a hemorragia seja causada por retenção placentária, os restos da placenta são retirados por curetagem. Quando a perda de sangue é provocada por lacerações no canal vaginal, o ferimento deve ser estancado e suturado o mais rápido possível.