Poluição do ar piora com calor; como se proteger

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Quarta, 20 de outubro de 2021, 16:15:21

Poluição do ar piora com calor; como se proteger

Brasil - Qualidade Do Ar

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que a poluição do ar não deve ultrapassar 15 µg/m³ (microgramas por metro cúbico) para ser considerada tolerável por humanos, sem riscos graves à saúde. Em meio à temporada crítica de incêndios no país, como se manter saudável em meio à fumaça?

Em abril, em Boa Vista, foram registrados picos de poluição de 317µg/m³. Em agosto, o nível de qualidade do ar no bairro do Grajaú, em São Paulo, ultrapassou 212µg/m³ de micropartículas poluentes. São apenas dois exemplos isolados de 2024, um ano em que os incêndios florestais mudaram a paisagem de uma dezena de estados, e com isso a população ficou exposta.

“Nasci em São Paulo, em 1954. Comecei a me interessar por doenças respiratórias em 1978. Eu nunca vi isso que estamos vivendo”, comenta o dr. Paulo Saldiva, patologista do Hospital das Clínicas, pesquisador e professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

Saldiva e seus colegas de pesquisa acompanham a poluição e seus efeitos, e estabeleceram marcas que ajudam a compreender o impacto dessa condição do ar sobre a saúde das pessoas. Segundo o especialista, a atual onda de fumaça na capital paulista aumenta a chance de um idoso contrair gripe em 12%.

A fumaça das queimadas que invadiu as cidades, explica o patologista, se assemelha à fumaça produzida pelo cigarro, pois vem também da combustão de folhas. Nas estimativas da USP, a carga sobre as pessoas expostas ao ar poluído é de quatro a cinco cigarros por dia. “São gestantes, crianças, bebê, idoso, todo mundo. O cigarro tem maior concentração, mas você não fuma o tempo todo”, argumenta Saldiva.

Os níveis de poluição do ar aumentam quando as temperaturas sobem, e neste inverno, além das queimadas, mais de 500 cidades brasileiras tiveram temperaturas até 4ºC acima da média, segundo dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

As altas temperaturas "turbinam" os incêndios, que liberam grandes quantidades de carbono negro, óxidos de nitrogênio (NOx), monóxido de carbono (CO) e outros compostos orgânicos voláteis (COVs). O calor também acelera os processos biológicos responsáveis ​​pela degradação de resíduos orgânicos e águas residuais, liberando poluentes atmosféricos e gases de efeito estufa no ar, alerta artigo do WRI (World Resources Institute) publicado no último dia 10.

Infelizmente, alguns vão morrer. O excesso de mortes naturais deve aumentar no estado de São Paulo algumas dezenas devido à poluição, fumaça, calor fora de época e baixa umidade, de 2% a 3%.

— Paulo Saldiva, patologista do Hospital das Clínicas e professor titular da Faculdade de Medicina da USP
 

Há poluentes perigosos que se alimentam do calor. O ozônio troposférico, que fica em uma camada mais próxima ao solo do que o ozônio da estratosfera, é um poluente que se forma quando COVs, incluindo metano, e emissões de NOx de veículos, instalações industriais, resíduos e queimadas agrícolas reagem quimicamente por meio da exposição à luz solar.

"A baixa umidade e o calor fragilizam a gente, um conjunto de fatores muito inusitado", observa Saldiva. "Tem além disso uma massa de ar que acumula poluição e radiação ultravioleta que gera compostos secundários, como o ozônio, a partir de reações fotoquímicas."
 

Segundo o WRI, apenas a poluição por ozônio foi responsável por cerca de 490 mil mortes no mundo em 2021, e a exposição de longo prazo ao ozônio contribuiu para cerca de 13% de todas as mortes por Doença Pulmonar Obstrutiva Construtiva (DPOC) em todo o mundo naquele mesmo ano.
 

Tolerância com poluição é menor na Europa
 
A pesquisa Qualidade do Ar em Alerta 2024, publicada pelo Instituto Alana e pelo Instituto Ar esta semana, aponta a necessidade de referências claras para orientar as cidades em momentos de crise como o vivido neste ano. Os pesquisadores compararam as políticas de qualidade do ar entre países da América do Sul e também Europa e América do Norte.

O estudo aponta que o Brasil, que regula níveis de poluição a partir do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), têm níveis mais restritivos de PM 2.5 (partículas em suspensão com um diâmetro inferior a 2,5 micrômetros) um pouco mais restritivos que o Equador.

O nível de Atenção no Brasil se inicia com concentrações de 125 ????g/m3, enquanto na Colômbia, este valor de poluição é bem menor para soar o alerta, de 38 ????g/m3. Na Europa, continente com as maiores exigências entre os analisados na pesquisa, Espanha e França entram em alerta a partir de 25 ????g/m3. “Ou seja, o plano de ação para controle das emissões e salvaguarda da saúde nesses países são deflagrados em um nível cinco vezes menor do que no Brasil”, destacam os pesquisadores.
 
“Com cada vez mais frequência, cidades brasileiras registram casos em que o excesso de poluentes forma verdadeiras cortinas de fumaça, fenômeno que chamamos de episódio crítico de poluição do ar. O nosso país está atrasado nesse debate em relação a outras nações, e o Brasil tem o dever de combater a poluição e mitigar episódios críticos de modo a garantir saúde e qualidade de vida para as crianças e para toda a população”, critica JP Amaral, gerente de natureza do Instituto Alana.

Como se proteger da fumaça
 
Na esfera urbana, em episódios de crise sempre há no mínimo duas dimensões de cuidados a serem tomados, em nível pessoal, quando as famílias podem agir por conta própria para cuidar da saúde e melhorar a salubridade de ambientes, e também o nível governamental, quando gestões municipais estaduais e federais devem ter protocolos e equipamentos disponíveis para atender e orientar a população.

Como cuidados pessoais, o dr. Saldiva recomenda muita atenção para a hidratação em condições que dificultam a respiração. Ao entrar em nosso organismo, o ar é umidificado por fluidos do corpo para chegar aos alvéolos pulmonares com 95% de água, para assim o oxigênio entrar na corrente sanguínea.

Você pode perder até 1,5 litro de água só para respirar em uma condição dessas [de poluição alta].
— Paulo Saldiva, patologista do Hospital das Clínicas e professor titular da Faculdade de Medicina da USP
 

Recomendações médicas em caso de ar poluído
 
Evitar sair de casa entre 10 e 17h

Usar máscara na rua, mas não a de pano. Prefira o modelo N-95

Passar pano úmido em casa para reduzir a poeira

Se hidratar ao perceber boca seca, olho seco, cor da urina escurecida

Hidratar mucosas expostas, com spray nasal de soro fisiológico no nariz

Fazer inalação, com aparelho ou vapor de água fervida da chaleira

Bebês e idosos podem não perceber a sede. Atenção redobrada com estes grupos

Em caso de tosse, febre, coriza, cansaço extremo, infecção urinária ou pulmonar, procure um médico

Já em nível governamental, a pesquisa dos institutos Alana e Ar mostra que há exemplos de políticas públicas que poderiam inspirar legisladores brasileiros. No país, aponta o relatório, o único município dom plano de ação para episódio crítico de poluição encontrado foi São Paulo, ainda assim, com um planejamento publicado em 1978 e desde então sem atualização.

Em Paris, que recentemente sediou os Jogos Olímpicos em meio a ondas de calor extremo, quando há um episódio crítico de alerta por materiais particulados, a prefeitura determina a restrição ou suspensão de atividades que contribuem para a emissão de poluentes, como indústria e transportes.
 
Além disso, o protocolo francês prevê a proibição de tráfego de veículos no centro da cidade, gratuidade de passagens de metrô e feriado escolar entre medidas para restringir e otimizar a circulação de pessoas. A comunicação em mídia expressiva que oriente a população para a adoção de medidas protetivas, como não realizar exercícios físicos ao ar livre, por exemplo, também é prevista.

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