94% dos professores não têm formação para lidar com alunos com deficiência
Rrepresentante do MEC divulga meta de capacitação de 1,3 milhão de professores, mas não detalha orçamentoPara Izabel Oliveira, de 27 anos, sua passagem pela escola poderia ter sido diferente. Cega e estudante da rede estadual, sempre fez todas suas provas de forma oral. Ela tinha que se virar sozinha, sem apoio na sala de aula, sem contraturno e, também, sem ninguém que a ajudasse a superar barreiras físicas cotidianas. Só agora, depois de ingressar na faculdade, foi que começou a aprender braile por meio de um projeto social.
A realidade de Izabel, do interior de Sergipe, escancara a forma como a educação básica ainda precisa de atenção para se tornar, efetivamente, inclusiva. Isso porque, além de pessoas com e sem deficiência estudarem juntas em salas comuns, ainda falta capacitação de profissionais para lidar com as diferenças.
No Brasil, cerca de 94% dos professores regentes não têm formação continuada sobre Educação Especial - modalidade da Educação Básica, em uma perspectiva inclusiva, que tem como público pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. O dado é do Ministério da Educação (MEC) referente a 2022. Na série histórica desde 2012, é o ano com melhor índice.
A região Nordeste, onde Izabel mora, figura com o menor percentual entre as cinco regiões brasileiras. Apenas 3,7% (23.614) dos professores regentes possuem formação continuada sobre Educação Especial. No caso dos professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE), que acontece no contraturno escolar, 38% (5.553) têm formação.
Aliado a este dado, a infraestrutura das escolas também deixa a desejar. Só 21,5% (9.475) das unidades com matrículas de alunos com deficiência são equipadas com Salas de Recursos Multifuncionais, que dá suporte ao AEE. O percentual é menor do que a média nacional, em que cerca de 28% (37.239) das escolas possuem o equipamento.
Além do diploma
A formação continuada vai além da base da graduação destes profissionais. Especialistas acreditam que o esforço também precisa vir das redes de educação básica, que devem promover capacitações e aprimorar as expertises do corpo docente.
"É preciso se aproximar mais do chão da escola, do espaço escolar; ouvir, de fato, a demanda do professor, trazer profissionais e formadores que possam estar dentro desse espaço e, junto até com esse professor, pensar em uma formação mais colaborativa", defende Nelma de Cássia, professora na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), que estuda e pesquisa a educação inclusiva.
Caso contrário, se as instâncias responsáveis por direcionar o aprimoramento dos professores não estiverem a par das realidades nas escolas, pode haver um descompasso com as reais necessidades das unidades básicas de ensino. É o que vivencia Danielle Coelho, professora de uma escola municipal, que recentemente passou a funcionar em turno integral, em Manaus. Ela, que trabalha na unidade há 16 anos, se descreve como uma rebelde quando o assunto é educação inclusiva.
O profissional de apoio
Sem saber que é assegurado pela lei, a estudante cega Izabel Oliveira descreve como fundamental a presença de um profissional de apoio para ajudar pessoas com deficiência, como ela, no dia a dia escolar. Ela sentiu falta desse suporte quando estudava. "Seria legal ter um atendimento para ajudar as pessoas com deficiência na escola, por exemplo, a ir ao banheiro. A gente fica solitário lá."
O profissional de apoio escolar é especificado pela LBI como alguém que auxilia na alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência, além de quaisquer outras atividades escolares nas quais se fizer necessário. No entanto, a lei não especifica qual deve ser a formação desse profissional. Essa brecha, conforme relatos ouvidos pela reportagem, deixa o profissional de apoio em um limbo.
Para Rita de Cássia Mendes, que é profissional de apoio, este cargo é similar ao de um cuidador. Ela começou na função durante a pandemia, e conseguiu a realocação em uma escola da rede municipal de ensino apenas com uma antiga experiência como monitora de ônibus escolar. Antes, Rita trabalhava como manicure em um salão de beleza.
Na carteira de trabalho, assinada pela secretaria de educação de sua região, Rita é registrada como "cuidadora da saúde". A variação de termos para designar essa mesma função deve acabar em breve, prevê Décio Guimarães, representante do MEC. Ele afirma que a regulamentação da figura do profissional de apoio é um dos pontos de prioridade do ministério.
Portal SBN