'O que esse menino fez foi cruel', diz professora baleada embaixo de mesa em Aracruz
Professora de química foi baleada no braço pelo atirador. Ela estava na sala dos professores, onde viu colegas sendo mortas.A professora de química Bárbara Melodia Arrigoni, de 37 anos, é uma das sobreviventes do ataque de um atirador a escolas em Aracruz, no Norte do Espírito Santo, na última sexta-feira (25/11). Em entrevista exclusiva ao g1, ela contou os momentos de pânico que viveu durante o atentado.
"Era o horário do recreio, preparei o meu lanche e sentei no mesmo lugar que sentava todos os dias. Depois de comer, a gente começou a ouvir tiros do lado de fora da sala. A gente entendeu que eram tiros e todo mundo se abaixou", contou Bárbara.
Bárbara, que é professora há 18 anos, foi atingida por dois tiros no braço. Ela ficou internada, desde o dia do ataque, no Hospital São Camilo, em Aracruz. Na manhã desta segunda (28/11), ela recebeu alta.
Horas antes de receber alta, quando ainda hospitalizada, ela conversou com a reportagem. A professora disse que o atirador entrou na sala e tentou atingir todos que estavam no local.
A professora teve uma fratura no pulso e uma lesão muscular no braço direito.
A educadora disse que ainda não entende como a tragédia aconteceu e os motivos.
"A nossa escola fica em um bairro muito pacato. Ainda é muito difícil falar, porque são pessoas que estavam ali na nossa rotina. Pessoas que nós criamos afeto", contou.
A professora disse que ainda não sabe como será o futuro. "Saber que a gente não tem mais essa conversa, não tem mais a amizade por causa de um ato violento, é muito difícil. É uma situação de profunda tristeza. A gente não sabe como vai acontecer daqui para frente, as vítimas são todas conhecidas, colegas de trabalho. Eram pessoas que estavam ali todos os dias pelo mesmo motivo que era a educação", desabafou.
A professora admitiu que sente medo. Disse que a comunidade se abalou com a tragédia que afetou tantas famílias.
"A gente não sabe mais o que vai acontecer. A gente teme pela nossa vida e pela vida dos nossos alunos. Nós somos família. A gente era um time, uma comunidade. Agora nossa comunidade foi desfeita. Essa tragédia tirou da gente peças fundamentais. Estamos completamente abalados. Nós somos pessoas, somos seres humanos. Não somos peças para serem tiradas de um jogo. O que esse menino fez foi um ato cruel e a gente não sabe como vai ser daqui para frente", desabafou.
Muito emocionada, a professora quis deixar uma mensagem para a sociedade.
"Estamos em profundo sofrimento, mas a gente ainda quer que o amor reine, que a paz reine. A nossa rotina era de felicidade. A nossa paixão era a educação, e a educação que nos movia. Espero que a gente possa continuar com essa paixão. Por mais que agora a gente tenha medo. Agora a gente tem medo do que fazer na escola do que vai ser a escola", falou.
No final da entrevista, Bárbara ainda fez um apelo por mais segurança nas escolas.
"As escolas precisam de apoio psicológico para os professores e para os alunos. Profissionais capacitados para lidar com pessoas diferentes uma das outras. Equipe multidisciplinar é fundamental para que a gente consiga fazer o nosso trabalho e atingir os nossos alunos", desabafou.
Durante coletiva de imprensa para detalhar o andamento das investigações sobre o ataque as escolas de Aracruz, no Espírito Santo na última sexta-feira (25), a Polícia Civil informou que o assassino de 16 anos guardou as armas, almoçou e seguiu para a casa de praia com os pais depois de invadir as duas escolas.
Ao todo, quatro pessoas morreram e mais de 10 ficaram feridas. O ataque teve início por volta de 9h30 e o adolescente foi apreendido por volta de 14h10. Segundo o superintendente de Polícia, o delegado João Francisco Filho, do ataque até a prisão, o criminoso agiu naturalmente.
"Ele volta pra casa em coqueiral, pega todos os objetos que usou na ação e guarda para que os pais não desconfiassem que ele tinha usado. Coloca tudo onde estava e fica no interior da casa como se nada tivesse acontecido. Os pais chegam e ele reagem naturalmente", contou o delegado.
A polícia ainda contou que os pais comentaram com o filho sobre o ataque e que ele agiu naturalmente. Em seguida, foi com eles até a casa de praia que tinha, onde em seguida foi preso.
De acordo com a polícia, as investigações preliminares mostram que o atirador não teria escolhido as vítimas, mas feito disparos aleatórios.
"Ele disse que escolheu aleatoriamente as vítimas, como a primeira sala era a dos professores, foi a sala que ele teve acesos mais fácil", conta o delegado.
De acordo com o delegado André Jareta, na sala dos professores, ele descarregou as munições que tinha em uma das armas duas vezes. "Ele já entra na sala dos professores atirando, esgota as munições que tinha, sai da sala, troca de carregador, volta para a sala dos professores e descarrega a arma novamente", diz.
Das quatro mortes, três foram de professoras baleadas na ação. Entre as cinco pessoas ainda hospitalizadas, três são professoras. Apesar da fala do atirador de que não teria escolhido as vítimas, a polícia informou que vai aprofundar as investigações para entender se houve alguma motivação.
Após ter confessado o crime, a polícia disse que ele foi à casa da família com os agentes e apontou onde estavam as armas e a roupa que usava. O armamento era do pai, um policial militar. Segundo a polícia, uma delas, de registro pessoal, estava em uma caixa trancada com cadeado no quarto, e a segunda escondida em uma gaveta. A polícia apura como o adolescente teve acesso a elas.
Desde o crime, a polícia traz questionamentos sobre o acesso e habilidade de manuseio do armamento pelo adolescente. Nesta segunda-feira (28/11), a PM informou que vai abrir processo disciplinar para investigar a conduta do pai do atirador.
"Está sendo instaurado hoje um procedimento administrativo para apurar as circunstâncias na qual o autor teve acesso às duas armas dele, uma da corporação e uma de registro pessoal, além das balas.", informou o ️comandante-geral da Polícia Militar, coronel Douglas Caus.
O delegado João Francisco Filho reforçou, no entanto, que as armas não estavam em local de fácil acesso.
No dia do crime, o suspeito usava uma roupa com estampa militar e símbolos nazistas. De acordo com a polícia, em seu depoimento ele confessou ter proximidade com ideias nazistas. Apesar de ter negado que teve ajuda de terceiros na ação, a polícia disse que investiga se há envolvimento ou participação em grupos extremistas que possam ter ajudado ou incentivado ao ataque.
O celular do assassino foi apreendido e tem ordem judicial para passar por perícia, o que deve acontecer nos próximos dias.
Pai de vítima de ataque fala pela primeira vez
O pai da menina Selena Sagrillo, morta no ataque a escolas em Aracruz, no Espírito Santo, o represente comercial Érick Serafim Zuccolotto, falou neste domingo (27/11) pela primeira vez sobre o ataque e disse em um vídeo que o mínimo que a família vai buscar é Justiça. Além de Selena, outras três pessoas morreram e 13 ficaram feridas.
"O mínimo que a gente vai buscar agora é justiça. Ele claramente tinha muito ódio no coração e isso não é algo que surge da noite pro dia. Além de tudo, ele planejou, foi frio até na hora de confessar o crime", disse o representante comercial.
No mesmo vídeo, Érick disse que a família vai entrar com um processo contra o pai do assassino, que é policial militar.
O representante comercial também falou sobre a dor da perda da filha.
"Já desabei várias vezes. Desde sexta-feira, sobrou só um vazio dentro de mim. Não estou vendo a hora passar. Estou parado olhando pro nada o dia inteiro. Uma dor absurda", declarou o pai de Selena.
Thais Fanttini Sagrillo Zuccolotto, mãe menina Selena Sagrillo, divulgou, na noite deste sábado (26/11), uma carta em que compartilha o sofrimento pela perda da menina e pede amor, piedade e segurança para crianças. A mãe de Selena também disse que perdeu a filha para o ódio.
O ataque deixou quatro pessoas mortas e mais de 10 feridas. O assassino, um adolescente de 16 anos, foi apreendido horas após o crime.
Em depoimento à polícia, o atirador disse ter agido sozinho no crime, mas a polícia investiga o envolvimento de outras pessoas. A informação foi dada pelo governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), neste domingo (27/11).
"Ele disse que agiu sozinho, mas isso não é suficiente para a polícia. A polícia vai de fato fazer toda a investigação técnica", informou Casagrande.
Entre os pontos investigados estão o acesso e habilidade com armas, saber dirigir e ter acesso ao carro. Além do envolvimento com grupos extremistas. No dia do crime, ele usava vestimentas com um símbolo nazista.
"A investigação que vai dizer como ele com 16 anos tinha tanta habilidade com armas e como ele conseguiu carregar e recarregar", disse o governador.
A polícia apura se há envolvimento
"Nós temos acesso ao seu telefone, aos seus computadores, aos interrogatórios, então é um processo de investigação pra ver se ele tinha algum envolvimento com algum grupo de fora neonazista".
De acordo com a Polícia Civil, o assassino que atacou as duas escolas, por ter 16 anos, vai responder por ato infracional análogo a três homicídios e a 10 tentativas de homicídio qualificadas. O número é menor que o de vítimas no ataque porque algumas não foram baleadas, mas se feriram na correria dos alunos em fuga.